top of page
Foto do escritorMarcos Costa

Inteligência artificial é inteligência? - Parte I: o que é inteligência?



Esse assunto volta e meia permeia os círculos de discussão sobre a área de dados: se o propósito último dos algoritmos de machine learning é fazer o computador "pensar", então estamos tornando-os inteligentes? Mas afinal, o que siginifica dizer que algo é inteligente? Essa pergunta, naturalmente, possui uma gama de respostas grande demais pra caber no escopo de um simples blog de ciência de dados. É uma pergunta tão simples, mas tão grandiosa em seus meandros que os filósofos gregos (sempre eles) já tentavam dar uma resposta final a ela, sem muito sucesso.


Podemos começar pela definição mais simples possível, a provida pelo dicionário. Segundo o Oxford Languages, inteligência é "faculdade de conhecer, compreender e aprender", assim como "capacidade de compreender e resolver novos problemas e conflitos e de adaptar-se a novas situações". Essas duas definições esbarram em tópicos similares: adaptação, evolução, crescimento e enfrentamento de novas situações. É natural de se pensar que a inteligência tenha a ver com isso: se você é bom em fazer algo mas é incapaz de adaptar seu trabalho frente novas situações e novas problemáticas, então seu trabalho é limitado e, nessa perspectiva, não é exatamente inteligência, mas sim uma reprodução mecânica constante. Assim, um ente que nada sabe mas que é capaz de interpretar o mundo e ir se adaptando a ele é mais inteligente que um que tudo sabe e não altera em nada seu modo de agir ou pensar, segundo essa definição. Mas ela não a única.


Em uma vertente da psicologia aplicada, temos a psicometria. Esse campo do conhecimento busca quantificar a inteligência e encontrar algum padrão que sirva para quase todas as pessoas, pelo menos, e que possa ser comparada e analisada. Esse é o modelo por trás do famoso teste de QI, que quantifica e padroniza as inteligências com uma base estatística. No teste de QI, uma série de questões são levadas à pessoa que está sendo analisada e o resultado é colocado em uma escala numérica cuja média é de 100. Pessoas com valores acima disso são consideradas pessoas mais inteligentes e com valores abaixo disso são consideradas menos inteligentes.



A distribuição estatística da proporção de indivíduos em cada faixa no teste de QI


Para complementar a teoria do QI e expandir o que podemos entender como inteligência, em 1980 o psicólogo Howard Gardner desenvolveu junto aos seus colegas uma teoria mais geral que identifica a inteligência não como um ato isolado ou padronizada, mas sim um conjunto de várias frentes e faces distintas. Essa teoria numera 9 tipos de inteligência, a saber:

  • Lógica matemática: muito ligada a encontrar padrões e relações em conceitos abstratos. Muito usada em raciocínio dedutivo e por cientistas de diversas áreas.

  • Linguística: domínio de idiomas e linguagens, com maior compreensão de contexto, interpretação e afins. Muito usado por escritores, jornalistas, linguistas e outros profissionais dessas áreas.

  • Musical: habilidade de compor e identificar padrões musicais como ritmo e timbre, além de integrar instrumentos e sons de forma coesa. Perceptível em musicistas, maestros, compositores e críticos musicais.

  • Espacial: perceber o campo visual e o espaço ao redor com facilidade e discernimento. Presente em arquitetos, enxadristas, cartógrafos e geógrafos

  • Corporal-cinestésica: controle de movimentos do corpo com precisão. Visto em dançarinos, atores e esportistas, entre outros.

  • Intrapessoal: envolve o auto conhecimento. Compreende entender ciclos viciosos, compreender a origem de comportamentos e traumas e permite lidar com esses processos da melhor forma possíel Um indivíduo com alta inteligência intrapessoal possui grande auto controle, foco e entendimento de si.

  • Interpessoal: habilidade de entender o outro, suas motivações, desejos, interesses e características. Permite também lidar com esse comportamento da melhor forma possível, dentro de cada contexto. Muito usada por políticos, professores e psicólogos.

  • Naturalista: capacidade de entender o mundo natural em duas nuances e intricadas relações. Muito ativa em biólogos, geólogos, fazendeiros e afins.

  • Existencial: a análise da realidade e das razões humanas nos níveis mais profundos passa por esse tipo de inteligência. A inteligêcia existencial permite ao indivíduo ponderar questões existenciais com mais facilidade e naturalidade. Presente em filósofos, religiosos, escritores e místicos.

E, como sempre, críticas surgiram sobre esse modelo. Uma delas é que a teoria das múltiplas inteligência não define inteligência, mas lista algumas capacidades que fazem parte de um arcabouço semântico do que pode ser chamado inteligência. Ou seja, ao invés de definir, Gardner lista exemplos. O que pode parecer razoável em uma primeira vista, mas acaba por não responder a questão original: o que é inteligência? E isso se torna um problema ainda maior quando discutimos novas formas de inteligência como a própria inteligência artificial e conceitos como mente coletiva (hive mind), que é usado em algumas aplicações de tecnologia, como em vírus de computador ou nano-robótica.


Ou seja: não há uma definição clara do que podemos chamar inteligência de um modo geral, que abarque todos os contextos possíveis. Ainda assim, a primeira definição, apresentada pelo dicionário Oxford, ainda parece abrangente e específica o suficiente para nosso caso. Ou seja, inteligência aqui será tratada como a "capacidade de compreender e resolver novos problemas e conflitos e de adaptar-se a novas situações". E por que essa definição é uma boa definição para nosso caso? Porque ela explica, com folga e facilidade, exatamente o que é feito nos algoritmos de machine learning, sobre a qual falaremos futuramente. "Mas aí retorna ao problema da definição do Gardner, onde o fato antecede a definição!". Não exatamente. Aqui temos uma visão do que é inteligência (ainda que talvez limitada, mas não cabe ao escopo aqui entrar em muitos detalhes sobre) sendo usada para explicar o que está sendo feito dentro de sistemas automatizados.


Ou seja, o que os algoritmos buscam fazer é olhar para o mundo em torno de si e, com uma base simples de informações prévias, encontrar um padrão no que está sendo observado. A regressão linear, por exemplo, é um modelo simples mas funcional de inteligência artificial (tem um post aqui no blog sobre regressão linear. Corre lá pra dar uma olhada, caso você não saiba do que eu estou falando). Ou seja, ao algoritmo é ensinado algumas contas e alguns processos. Após isso, ele é defrontado com uma situação nova que, no caso, é um conjunto de dados até então inédito e, a partir daí, ele se adapta e chega a novas conclusões. Vamos ver isso passo a passo:

  • Conhecimento prévio: um algoritmo de regressão linear não possui conhecimentos prévios do "mundo" a sua volta. Tudo que ele tem acesso é as funções que foram escritas para ele, como algumas funções capazes de entender o que é um ponto, o que é um plano cartesiano, como realizar algumas operações matemáticas simples e mais alguns poucos pontos

  • Se defrontando com um novo problema: na definição do que é um algoritmo de regressão linear não é necessário que haja qualquer referência direta a dados reais. Ou seja, não precisamos imputar valores pré-programados. Isso faz com que todos os dados que surjam dali para frente serão novos. É como um novo mundo que se abre para nossa inteligência primitiva

  • Compreensão do novo problema: nossa inteligência primeva não possui muitas possibilidades de análise do problema. Todos os dados disponíveis se encaixam em uma análise linear. Basta encontrar os coeficientes dessa análise e depois calcular os erros envolvidos nessa regressão.

  • Adaptação: como visto no post sobre regressão linear, esse algoritmo encontra os parâmetros ótimos ao realizar uma série de aproximações constantes. Esse método usa da recursão para ir se aprimorando a cada nova iteração.

  • Resolução: por fim, ao concluir essas etapas, nosso algoritmo se dá por satisfeito e retorna o resultado de sua busca: os parâmetros encontrados e, caso tenha sido pedido, as métricas de erro apropriadas

Ou seja, podemos ver um modelo primitivo e sem muitas liberdades de uma inteligência funcional. Ainda há muito que se possa argumentar sobre essa suposta inteligência, sua autonomia e principalmente suas limitações, mas já é possível vermos como um projeto simples pode sim representar uma inteligência simulada muito bem. Mas deixo aqui a questão para reflexão e análise no texto da semana que vem: inteligência simulada é de fato inteligência? Existe algo inerentemente orgânico na concepção de inteligência que não pode ser simulado de forma alguma?

5 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

コメント


Post: Blog2_Post
bottom of page